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O Brasil já é o segundo país
do mundo em número de cirurgias plásticas (fica atrás
dos Estados Unidos). Só no Rio de Janeiro, 200 a 250 médicos
fazem alguma forma de aprendizado em cirurgia plástica por ano,
o que dá uma idéia do crescimento desse mercado no país,
principalmente após a segunda metade da década passada,
com um boom nas cirurgias de alteração de seios. Essa novidade
tornou mais palpável um desejo, o de ficar mais bonita, mas ocultou
vários outros, tanto da parte de quem se submete à cirurgia
quanto de quem a opera. Essa relação oculta e subentendida
entre o cirurgião e a pessoa que se submete a uma plástica
foi avaliada em clínicas da rede pública e privada por Isabela
Lopes Gonçalves na dissertação de mestrado "Cortes
e costuras: um estudo antropológico da cirurgia plástica
no Rio de Janeiro", defendida no curso de Antropologia no Museu Nacional
da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ),
orientada por Luiz Fernando Dias Duarte.
A idéia de que a cirurgia plástica
produz beleza com o mínimo esforço se torna, neste estudo,
um estereótipo sujeito a muitas contradições. O esforço,
por exemplo, existe e é muito mais intenso (embora mais curto)
do que submeter-se a exercícios em uma academia de ginástica.
A fase pós-operatória, com suas implicações,
por exemplo, pode causar fortes dores e durar muitos meses, com privações
como a de evitar o sol. O fato de a cirurgia ser uma grande intervenção
médica em pacientes saudáveis causa uma desfiguração
do relacionamento num consultório médico. O paciente é
que passa a dar o "diagnóstico", ou seja, dizer o que
deve ser feito, cabendo ao médico apenas cumprir o trabalho. Além
disso, também é desfigurado o caráter da intervenção
cirúrgica da operação plástica. Os médicos,
em seu discurso junto aos pacientes, maximizam os resultados da cirurgia
em detrimento do processo cirúrgico em si. "Se a gente explicar
demais, o paciente não opera", diz um médico ouvido
na pesquisa. Para a autora, "os médicos explicam as cirurgias
plásticas com ares de simplicidade, como se fosse uma intervenção
descomplicada, rápida, fácil, indolor e, por vezes, banal,
apesar de saberem que na prática não é bem assim".
Pegue-se a seguinte explicação
de um médico, que consta do estudo: "É muito simples:
a gente faz uma abertura pequena entre uma nádega e a outra, descola
e coloca a prótese (...) a prótese de mama é definitiva,
mas as pessoas mudam porque sempre aparecem próteses mais modernas
e é muito simples mudar. É como tirar o enchimento do ombro
de um paletó: abre, joga fora o velho e põe o novo ."
Isabela percebeu também algumas contradições
que envolvem o senso comum quanto ao mundo da cirurgia plástica.
Uma delas é o preconceito contra pessoas de meia-idade que recorrem
a ela (tidas como "plastificadas", avaliadas como "esticadas"
ou tendo "boca de peixe morto"), num estereótipo que
convive aparentemente sem problemas com a aceitação total
e até a elevação a certo nível de status de
pessoas jovens que fazem exatamente a mesma operação. O
fato de médicos abdicarem ao controle do diagnóstico (quem
diz o que deve ser feito é o paciente) também parece não
incomodá-los. A pesquisadora notou que muitos médicos se
orgulham disso. Um dos que ela entrevistou diz: "Não tenho
doentes, tenho clientes".
Outro aspecto interessante da cirurgia plástica
apontado pela autora do estudo é sua legitimação
como símbolo de status diferenciado, apesar de dedicar-se justamente
a tornar as pessoas iguais: "A cirurgia plástica é
a solução para as mulheres e homens entrarem nos padrões
e não para contestá-los ativamente. É a tentativa
de se libertar da opressão de estar fora dos padrões através
da entrada nestes. Os padrões ideais permanecem e até ganham
força, pois a cirurgia plástica, cada vez mais difundida
e utilizada como tecnologia do self, transforma o corpo fora do
padrão num corpo 'da moda'. Com isto, há cada vez mais pessoas
'transformadas', o que incentiva as outras também, para não
se sentirem diferentes. Com a cirurgia plástica, ganha-se a liberdade
de poder estar, mais rapidamente, dentro dos padrões de beleza
femininos, ou seja, de se tornar (in)visível. Com isto, a cirurgia
plástica se torna algo que 'todo mundo faz', perde o ar de estranheza
e ganha ares de normalidade. Quem faz se torna comum, quem não
faz, diferente", diz Isabela.
Veja também:
Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica
Palavras-chave:
Cirurgia plástica, medicina estética, beleza.
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